sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Branco como cal

Em toda a tua vida, não havia
O inferno pior que o ladrão
Aliado ao teu amigo ambiental
Ordenavas a limpeza do galho e do chão

Do teu interior o calcário empinado
Perecido pelo fogo ardente
Surges virgem de uma brancura sem igual
Sustentas famintas bocas de qualquer idade
A tua anti-séptica fórmula revestiu todo o lar

Hoje porém de silvados e espinheiros sufocado
A tua enorme boca - aberta até parece clamar:
- Oh veloz tempo que passa! Pára!
Estou velho mas quero ainda trabalhar!

Como cal assim eu fico
Quando te vejo abandonado neste momento
Branqueado como marfim
Fariam de ti um belo monumento



O forno da cal
Publicado por jo ra tone

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Sicó IV




- "Vão para a cama porque amanha é para levantar muito cedo"!
Ordenou a minha mãe, porque no dia seguinte íamos pela primeira vez à cidade.
Eu e a mana fomos logo deitar, mas o sono teimava em não chegar. A minha cabeça deu mais voltas que um burro a tirar água à nora. Durante aquela noite, imaginei-a de várias formas, contudo a minha mãe já nos tinha falado dela, do tempo em que o meu avô vendia sardinha, dizia que, quando os pescadores não iam ao mar por este se encontrar revolto, ou quando a rede não trazia peixe, tinha que ir buscá-lo às traineiras.
Ansioso por saber o que era uma cidade, saímos bem cedo na carroça do meu tio até à estação, que era apenas um pequeno edifício no meio dos arrozais. Entrámos na automotora e ainda sonolento, sentei-me muito acomodado.
Mas… a automotora não arranca? Não arranca porquê? Porquê tanto tempo à espera?
Subitamente avisto um comboio que vinha de frente. Mas só há uma linha! Como vai passar? Vai chocar?
Mãe olhe!
- Que foi Joãozito?
Fiquei sem palavras e aterrorizado.
A automotora entretanto desviou noutra direcção. Não tinha visto que havia ali uma bifurcação de linhas.
Partimos de viagem e a automotora parecia mais uma carroça a circular sobre as linhas com o seu ronca tranca, tal qual o ruído das patas das cavalgaduras, mas, mesmo assim, a minha atenção era desviada para aquelas lindas paisagens nunca vistas.
Chegámos à cidade e caminhando, eu ia vendo coisas muito bonitas: Em primeiro lugar as traineiras que estavam ali muito perto; Os meninos da minha idade mais bem vestidos e acompanhados pelos pais, notei o cheiro dos perfumes e a beleza das senhoras muito pintadas. Logo fiz a comparação com a vida na minha aldeia onde o cheiro era diferente: a bosta, os estrumes dos currais das ovelhas e muito mais.
Os bonecos de vários tamanhos dentro das casas, que se podiam ver pelas grandes vidraças assustavam-me. Perguntei à mãe o que era e o que estavam ali a fazer.
-São manequins! As casas vendem roupas novas para toda a gente!
Mirei-me de alto a baixo e pensei: Estou bem vestido com a roupa nova que a mãe me fez, não preciso. "Apenas não gostava muito das calças porque faziam um refego na zona da pilinha".
Olhava tudo em redor, e caminhando mais um pouco, fiquei boquiaberto quando vi numa pequena casota onde não deviam caber mais que três crianças, uns bonecos com uma linguagem estranha, e que se mexiam muito irrequietos. Ri-me às gargalhadas quando eles começaram à bulha; Ai …Ui -Toma para aprenderes a não roubar os melões! Toma; toma. Traz …paz…
Perguntei mais uma vez à mãe: -São os robertos mas deixa isso porque temos que ir andando!
– Não! - Vá você com a mana que eu fico aqui!
Puxou-me pelo braço e logo me pus a choramingar.
- Cala-te, não tens vergonha! - Disse a mana.
- Querem tirar um retrato em cima do cavalo? Perguntou um homem.
Parei de chorar, e disse logo que sim.
O cavalo era velho, feito de papelão e muito mal estimado. Tirámos o retrato. O meu viria a ser riscado um dia com as unhas da mana, depois de um desentendimento qualquer.
Dentro da praça, a mãe comprou algumas coisas, entre elas uma boneca doce para cada um. Seguidamente fomos aos armazéns comprar os tecidos, retalhos, botões e linhas para a mãe fazer a roupa em casa, e depois para a estação para apanharmos o comboio de regresso a casa.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Gerador decorrente


É Domingo!

Está na hora
Do nosso encontro habitual
Para uma nova sessão
Na taberna do meu pai.
O gerador adaptado
Num motor de rega a petróleo
Dá luz a esta gente
Com sentido estereoscópico.
Cada qual vai contribuir
Com vinte e cinco tostões
Porque o dia será farto
De várias e novas sessões
De desenhos animados, cowboys
Bonança, Lucky Luke, Vingadores
Enquanto jogam os maiores
Os pequenos fazem-se actores.
Demasiado ruído fazia
Colocado no exterior
Com um silencioso
Afugentei o fumo e o odor.
E durante os intervalos
Uns amendoins ou tremoços
Laranjadas ou gasosas
Para fazer gasto à casa.
A nossa atenção era tal
A mirar aquele ecrã
Que se esquecia o petróleo
A baixar no seu bidão.
Que chatice! E logo agora!
- O motor foi-se a baixo
Fico sem ver quem apanhou
Se o cowboy ou o apache.
Corro para bem aproveitar
O aquecimento do motor
Porque se assim não for
Mais difícil é para mim
Voltar a pô-lo a trabalhar.
E mais!
Televisão? Sim!
Só em dias especiais!
Futebol, touradas, festivais.

sábado, 7 de fevereiro de 2009