quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

“A culpa é do sistema”

“Sistema lento que não reage em tempo útil à necessidades de cada um”…

…"Quanto maior a demora, mais o cliente tem de pagar ao advogado que o representa”…


Um tema que preocupa actualmente o Sr. Presidente da República... e não só...

Pois bem…. Se fossem resolvidos parte dos problemas (os de menor gravidade), como este, talvez não houvesse tantos processos em lista de espera:

O ti Joaquim foi um dia à serração com uma carrada de toros de pinho para fazer as tábuas para a sua lida do dia-a-dia.
De repente aparece-lhe um homem com uma patrulha da GNR "Você não pode serrar essa madeira! essas falcas são minhas!" O ti Joaquim espantado com tal aparato, mas convicto da sua inocência, responde-lhe "Deves estar muito enganado! Por quem me tomas? Estás-te a armar aos cágados ou quê?"
"Pois bem vamos tirar as coisas a limpo!" Acrescentou.
Pediu ao serrador que cortasse um palmo da parte mais grossa da falca, do lado do pé, e carregando-a às costas pediu que o seguissem até ao pinhal, que ficava à distância de meia légua.
Chegados ao local, assentou o pedaço de madeira no cepo a que antes o pinheiro pertencera e ajustando-o como peça de um puzzle, concluiu que o pinheiro esteve ali antes.
Perguntando os guardas ao queixoso se aquele pinhal lhe pertencia, este disse que não. Desde logo souberam que, de facto, não estavam perante um roubo, mas sim um falso testemunho, uma esperteza saloia!
Os guardas elogiaram o ti Joaquim pela acção imediata que teve e perguntando-lhe o que pretendia fazer a partir dali, este pensando bem, e para que servisse de lição ao queixoso, apenas exigiu que este lhe pagasse o trabalho de serrar a madeira.
O homem não teve outro remédio se não concordar, para que a coisa não se complicasse, terminando assim a contenda.

E assim se foi livrando até hoje das malhas da justiça!

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

O Medo

Foi um dos sentimentos que mais me marcou na minha infância.

Além do medo de alguns mendigos mais estranhos, era também a Guarda Republicana, os enterros e os contos da minha mãe após a ceia.

Os mendigos, raro era a semana que não apareciam a bater à minha porta 3 ou 4 vezes.
Um sozinho montado no seu burrito, outro a pé guiado pelo seu moço, porque era cego... Lembro-me de um que tinha uma perna de pau, que me fazia bastante dó!
Nalguns o pedido de esmola era acompanhado por uma oração "Por alma de quem lá tem Pai Nosso... Ave-Maria". Outro cantava e tocava com a sua guitarra.
Um dia, não estando a minha mãe em casa, entreguei a carteira do dinheiro ao pobre porque eu não conseguia abri-la. Ele retirando a esmola que era habitual, cinquenta centavos, agradeceu e partiu contente.

Apavorava-me quando avistava a Guarda Republicana. Vindo cada um do lado da estrada pela berma, de espingarda ao ombro, chapéu de aba larga, farda acinzentada com aquelas botas pretas compridas, aquele caminhar cadenciado…
Outras vezes apareciam repentinamente numa mota de berço. Eram o Gungunhana e o Olho Azul… Maus como tudo! Tão maus, que um deles, o Olho Azul, uma vez multou a própria mulher, por esta se encontrar descalça na vila num dia de feira!

Nos enterros eram as cores vermelhas, garridas, das opas, as lanternas e a cruz transportadas pelos homens que formavam o cortejo. Quando os avistava pela janela, escondia-me debaixo da cama, até que se sumissem na distância.

Os contos que a minha mãe contava à noite também eram daqueles que me davam para pensar durante a noite. Eram contos de ladrões, bruxas, diabos e balisomes, tudo de quanto era mau!

Foram tais traumas que ainda hoje não se dissiparam, ou jamais se dissiparão, porque o medo faz parte da vida de cada um, em maior ou menor intensidade.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Médico ou cangalheiro?

O pai do ti Joaquim, cabo cantoneiro, porque eram muitas bocas em casa a comer, resolveu levá-lo para trabalhar com ele. Arranjou-lhe uma farda e atribuiu-lhe um cantão, que ele zelava com todo o empenho. O chefe, quando passava por aqueles lados, ia vendo aquele trabalho tão bem feito que quis conhecer o seu autor. O pai certo dia apresentou-lho, e à pergunta “que idade tens, meu rapaz?” respondeu “quinze anos”! Disse-lhe que não podia continuar naquele cargo porque era ainda muito novo e não era permitido. Com medo de represálias dos seus superiores, o pai mandou-o embora para casa. Cabisbaixo, saiu.

Sempre que o pai fazia as sementeiras, os filhos tinham que o acompanhar nessas tarefas trabalhando todos ao mesmo ritmo, principalmente na cava. O ti Joaquim, o mais velho, sempre que o irmão mais novo se deixava ficar para trás dizia-lhe “trabalha langão”! Mas este, de tanto ouvir aquela expressão, pegando na enxada atirou-a bem para longe dizendo “Vocês um dia ainda me hão-de tirar o chapéu!”.
Seu dito, seu feito. Começou a trabalhar com um médico avençado e com o tempo adquiriu conhecimentos de enfermagem e medicina que lhe permitiram começar a passar receitas aos doentes. Aprendeu a fazer hóstias com farinha de trigo e algumas gotas de quinino, que os doentes tomavam para todas as enfermidades, nomeadamente para as sezões.
As autoridades, logo que tiveram conhecimento da acção deste doutor, chamaram o médico responsável à atenção de que poderia vir a ser detido.
O irmão do ti Joaquim teve que fugir para a Venezuela para não ir parar à cadeia, e por lá ficou a maior parte da sua vida.

O ti Joaquim, exercendo já a profissão de carpinteiro, sempre que morria alguém na freguesia era ele que fazia os caixões e os enterros com a sua carreta.
A primeira coisa a fazer era ir ao pinhal e cortar o pinheiro mais carunchoso, serrá-lo em tábuas que depois seriam forradas com tecido, ficando o caixão pronto em poucas horas.

Concluo: Vão-se os médicos, ficam os cangalheiros!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Só agora!

Só agora tive um momento de descanso.
Dias especiais... trabalhos diferentes.
De manhã, pedi ao meu pai que matasse o galo do pescoço pelado para o almoço, enquanto eu acendia o forno a lenha para cozer a broa e a chanfana. Sendo um dia diferente, para uma mulher especial, ofereci flores (orquídeas) e um beijo que lhe fez surgir uma lágrima no canto do olho (também não é preciso muito para que tal aconteça).
Ela ao computador, eu, verdade verdadinha, meti-me pela primeira vez a cozer a broa, e então não é que ficou óptima?! É a crise, meus amigos! É a crise!
Quando os filhotes chegarem a casa, ficarão surpreendidos por mais uma peripécia do papá.

E agora uma palavra de gratidão para todos aqueles que por aqui passam e continuarão a visitar através deste meio, e que nos parabenizam com verdadeiras palavras de conforto.
Para todos os meus votos de felicidade.
Eu e a Fa agradecidos.

Jo Ra – um amigo.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Carpinteiro em construção

Manejar o martelo e o formão aprendera, mas de todo desconhecia a sua grande missão.
Não sabia que uma tábua valia mais do que um pão. De facto como podia, se era um carpinteiro em construção!

Aqui uma casa emadeirava, com tábuas e com suor, acolá um barracão. Assim não fosse ele comer serradura crua à mão. Sem os desperdícios da grosa e da pua teria crescido em vão. Assim, bem exerceu um dia essa bela profissão.

Miniaturas de charretes, carros de bois e alfaias, feitos de bocados de tábua crua. Manufacturados com os utensílios guardados na antiga mala sua.

Um actor de televisão ofereceu-lhe muito dinheiro pela colecção. Mas ele logo disse :
- Não!
Não, porque cada filho herdará um dia uma charrete, e um carro de bois. Para que não esqueçam, pois, as suas mãos de trabalho e carinho que souberam ganhar o pão.
A Deus muito agradece, não fora em tempos sacristão, por todos os anos vividos em constante evolução.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

…Ninguém passa o que eu passei!!!

…Ninguém passa o que eu passei!!!
Hoje em dia nem sabem que vivem no mundo!
Quem é que hoje ia carregada com uma cesta à cabeça e outra debaixo da cova do braço para a Figueira vender!
Íamos a pé até ao Moinho e depois apanhávamos o comboio. Lembro-me que uma vez, quando lá cheguei, o comboio já tinha abalado. Valeu-me um homem que me passou numa barca, para o outro lado de lá do rio. Depois fui todo o caminho a pé, mas Deus foi por mim, vendi tudo o que tinha num instante e ainda tive tempo de apanhar o outro comboio para casa.
Naquele tempo a minha mãe mandava-me ir vender figos, e eu coitada, muito envergonhada, batia às portas das pessoas e perguntava:
-Ó minha senhora quer figos? Depois mais tarde já ia a cavalo numa égua. Houve uma vez, que as cancelas estavam fechadas, veio o comboio e a égua assustou-se, deu em fugir a galope sem parar.
Eu levava a rédea enrolada à mão e caí, fui d´arrojo atrás dela. A minha boca era só sangue. O que eu ganhei nesse dia, não deu para pagar ao médico e os remédios.
Quem é que hoje andava quase seis anos a namorar, sem dar um beijo um ao outro, como eu andei!
Namorei o meu home quase seis anos, e nunca demos um beijo um no outro…Não é como hoje! Hoje é só beijos e abraços e não sei mais quê! Eheheheheh…largam uns… arranjam outros!
Nas vésperas do casamento, depois da casa toda lavada, o meu home ainda me agarrou e fez umas cócegas, mas a minha mãe estava sempre por perto, com olho na gente, para ver o que fazíamos!
Ainda no dia do nosso casamento, a minha mãezinha perguntou-me:
- Ó Maria onde é que a gente vai dormir hoje?
Não sabia o que ela queria dizer! Não queria que eu ainda fosse dormir com o meu home naquela noite… Eu calei-me, e ela foi dormir no quarto ao lado do nosso.
Não lhe valeu nada…Os desejos eram tantos que passados nove meses nasceu o nosso Zé….

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Medicinas alternativas

Era uma vez um homem, que recém-chegado de França, ao entrar à porta de casa se surpreendeu com o médico. Este tinha sido chamado para curar a dor de barriga da sua mulher, que vinha sendo habitual, e que teimava em não desaparecer. O médico virou-se para o homem e disse "A sua mulher está mesmo mal, portanto tem que ser curada quanto antes. Por isso vou-lhe receitar uma boa canja de galo e uns emplastros de limos e sargaços, misturados com papas de linhaça". O homem, sem perda de tempo, e porque queria a mulher sem qualquer maladia, pôs-se a caminho (a pé, porque naquele tempo os automóveis eram só para os afortunados) para chegar de manhã cedo à praia e apanhar os limos que saíam nas redes dos pescadores. Passada uma hora cruza-se com o moleiro que lhe perguntou para onde ia. O homem contou-lhe tudo o que se estava a passar. "Não é preciso tanto trabalho" diz-lhe o moleiro, conhecedor também de certas medicinas alternativas, "Eu mesmo consigo arranjar cura para a tua mulher! Apenas tens que fazer aquilo que eu te mandar! Em paga apenas quero seis sacas de trigo! Salta cá para cima da carroça enrola-te nessa esteira e pega nesse bordão!"
Prosseguem a viagem. Em chegando o moleiro bate à porta. Abre a mulher e lá está dentro o médico! Porque já era tarde, pediu que lhe desse cômado. A mulher ofereceu-lhe um local para passar a noite, e convidou-o a participar também na ceia, composta por uma boa canja e uma grande travessa de galo com arroz pardo, que estavam prestes a devorar. O bom do moleiro entrando com a "esteira" enrolada, recostou-a atrás da porta na cozinha. Sentados à mesa, o moleiro disse que para animar o momento cada qual teria que dizer uns versos. A mulher começa "O meu homem foi ao mar, limos e sargaços foi buscar, quer os traga quer não traga, cá tenho outro no seu lugar e com enxúndia vou experimentar".
E vai o médico "Nesta casa só há galos. Galos e galeirões, quem me dera agora ester-te entre mantas e colchões."
Por último o moleiro diz "Ó seu homem dum estardalho, comece desde já a conhecer a razão, carregue-me a carroça de trigo, que está na ocasião. Saia já desse esteiralho e pegue nesse bordão". O marido, ouvindo isto, desenrolou-se da esteira com o bordão, preparado para a jantarada!
Deu o arroz ao médico, que depois abalou porta fora. A mulher comeu da canja, indo de seguida para a cama. A dor de barriga tinha passado...
O homem e o moleiro comeram, de seguida, refastelados... o galo!

"estardalho": despresível-bisbilhoteira-traquinas
"esteiralho" : esteira grande com muito uso "

[Caso tenha ferido susceptibilidades com este conto do Ti Joaquim, desde já as minhas desculpas.]

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

A Caça ao Tesouro


(Jo Ra , A aldeia dos meus bisavós, óleo sobre tela,1981)

Aqui viveram os meus bisavós.

Segundo os mais antigos, esta pequena aldeia , hoje desabitada, fora umas das mais ricas da região.
Nela habitaram famílias abastadas de agricultores, que também se dedicavam ao fabrico e comercialização do carvão.
No tempo das invasões, foram enterradas nesta aldeia, algumas panelas de ferro cheias de libras em ouro e outros objectos preciosos, com receio que estas fossem parar às mãos do inimigo.
Findo esse tempo, os velhinhos iam morrendo sem haverem indicado aos seus sucessores, os locais onde foram escondidos os tesouros, havendo hoje ainda quem pense, como eu, nos tesouros que estarão algures por aqui escondidos.
Segundo as crenças , só se conseguirá reavê-los, se houver duas pessoas pelo menos, que tenham sonhado com o local exacto onde se encontram, e guardando segredo, só elas mesmo poderiam recuperá-lo. Uma delas que à chucha-calalada pensasse desenterrar a panela, quanto mais cavasse para a tirar, mais ela se enterrava.
Houve três pessoas que sonharam com o mesmo local, mas no dia que se puseram a caminho, foram impedidas de continuar, devido a uma forte trovoada, raios e coriscos, e pensando elas tratar-se de um aviso do céu, com medo, desistiram da ideia de se apoderarem do tesouro.
Desvendaram, o segredo aos mais novos, anos depois, dizendo que a panela estaria enterrada junto do troço de uma laranjeira.
Munidos de um detector de metais, eu com mais dois entusiastas fomos ao local, e palmilhando em redor de todas as laranjeiras, conseguíamos o sinal e a indicação da profundidade do objecto.
-Estamos ricos! Exclamávamos.
Fazíamos o buraco, na expectativa de desenterrar a panela, mas eis que só nos iam aparecendo; uma enxada velha, um dente de charrua gasto, um dente de grade de bicos, uma chave de fechadura, uma faca de grade de canto, uma bota de carda e outros objectos…
Panelas! … Libras!...NADA …

Passadas algumas horas e termos”suado a camisa “, desistimos, ficando por lá as panelas das libras que, nos poderiam fazer”tirar o pé da lama” caso as tivéssemos encontrado.


quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

A pena

“- Anda, anda – dizia ele; que ronceira que estás hoje! Olha que não temos esse tempo, que julgas… Então?... Que é isso agora?... Pois já queres mais tinta? Depressa gastaste a que bebeste! Vá, avia-te… Bonito R! Isso não esperava de ti!... Adeus! Agora mais este cabelo!... E sujaste-me todo!... Trapalhona!... Ai, que impertinente que estás!... Adiante!... adiante!... adiante!... Espera, espera… Lá te esqueceu um D!... E agora!... Agora vê se te mexes entre essas duas letras… Assim…Ah!... não toques nos SS… Bem… Continua, mas com tento… Então! Não querem ver que paras outra vez? Ora isto é demais!... Deixa estar que… Oh!
Era um borrão, que caía no meio da página e lhe inutilizava a correspondência quase no seu tempo.
(…)
-Descansa. Hoje não estás nos teus dias. Vem cá tu – dizia para outra Vê lá como te portas! E, olhando fixo para ela:
-Hum!... Abre os bicos… abre… Assim… bem…! Sim senhor!... Bravo!... Ninguém havia de dizer que tu…”

Manuel Quintino e a pena
Júlio Dinis

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O Flauzino e os ovos

O ti Joaquim diz-me que durante a sua vida tem apanhado muito peide-meste que fez dele um homem.

Por agora vou apenas contar uma passagem por ele descrita.
Havia um homem de nome Flauzino, que era um tanto maroto. Gostava de visitar as tabernas, comer umas buxas e beber uns copitos.
Entrando numa delas e aproveitando a ausência do taberneiro, foi ao tabuleiro dos ovos e tirou quatro. Saiu, e mamou-os a caminho de outra taberna, onde foi beber o seu copo habitual.
O taberneiro apercebendo-se da falta dos ovos, facilmente soube do autor do roubo. Levou-o à justiça com a melhor defesa que existia então na vila.
Flauzino, pobre como era pode apenas contratar como advogado de defesa, o diabo, que lhe apareceu no seu desespero.
A defesa do Taberneiro exigia uma indemnização pelo acto grave, porque os quatro ovos poderiam uma vez chocados, dar origem a quatro pintos; estes pintos far-se-iam galos e galinhas estas galinhas chocas punham mais ovos que depois… davam origem a inúmeras galinhas, ovos… e por aí fora... podiam dar até um aviário!
No dia da audiência, estando o tribunal reunido, a defesa de Flauzino, atrasado uma hora, entrou na sala como um trovão, ou não fosse ele o diabo! Todos se assustaram!
O Sr. Dr. Juiz perguntou-lhe "Só agora? Que justificação nos dá por tamanho atraso?"
- Saiba Vª. Ex.ª. Sr. Doutor Juiz, que na hora em que estava para vir para este tribunal lembrei-me que ainda tinha que cozer um alqueire de favas, para os meus criados irem semear amanhã!
O defesa do taberneiro perguntou "Então favas cozidas podem dar favas?!!! "

Sabem a resposta do diabo, defesa do Flauzino?
E o resultado desta contenda?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Matança à moda antiga

Nos dias frios de Inverno em que pouco se podia fazer nos campos, aproveitava-se para fazer a matança.
Depois do mata-bicho composto por umas passas de figo e um copito de aguardente, os homens iam para o pátio coberto de mato, e matavam o porco, enquanto no borralho as mulheres sem entendiam entre tachos e panelas.
Depois de morto, era chamuscado com caruma ou carqueja e esfregado com uma telha de canudo até ficar bem aloirado. Depois de lavado com água quente e coberto com velhas mantas grosseiras molhadas com água fria para o arrefecer, todos íamos ao almoço, que segundo a tradição era composto por batatas e bacalhau, alho e azeite novo.
Tinham ainda tempo para jogar uma cartada e depois disso dependuravam o porco na adega com um chambaril preso às pernas até a cabeça ficar a meio metro do chão.
É amanhado aproveitando-se o sangue para fazer o moado (morcelas e bolos), e as tripas eram lavadas num ribeiro de água limpa com bastantes laranjas e sal para lhes tirar o cheiro.
Faziam a cachola para ser comida ao meio da tarde. Para a ceia era o habitual cozido da matança e o arroz com galinha, regado com o melhor vinho.
No dia seguinte esbandalhava-se o porco, fazia-se a manteiga e o sal da manteiga, os torresmos, que comidos quentinhos com a broa mole eram uma delícia. Os presuntos eram postos no fumeiro, os lombinhos dento da bexiga, os lombos dentro da panela da manteiga, e a carne branca era posta em sal novo na salgadeira.
À noite ceava-se um bom cozido já com os bolos de sangue, umas morcelas e a cabeça do porco descarnada.
Eram sempre dois dias inesquecíveis que passava com todos os meus primos e os mais crescidos.

Que saudades da matança à moda antiga!