Fazia tudo o que eu lhe mandava.
Gostava de se sentar à lareira, quedo, a olhar para o crepitar da lenha que ardia nos dias frios de Inverno, gostava de caçar, usar óculos de sol e andar de motoreta. Cumprimentava sempre qualquer pessoa com um passou-bem, quando esta lhe dava atenção. Enfim, tive tempo suficiente para o treinar e domesticar como deve ser.
Quando o meu pai se deslocava de noite em serviço, estava sempre à espera que este lhe fizesse um sinal para entrar no carro. Por vezes, porque não podia levá-lo, este instintivamente sabendo para onde ele ia, corria sem grandes pressas, e esperava o dono no seu regresso a dezenas de quilómetros de casa. Aconteceu algumas vezes ele esperar num cruzamento de estradas, sentado à espera. Abria-lhe a porta, e logo se punha com as patas dianteiras no tablier, muito atento para ver algum coelho que surgisse num ápice.
Há anos atrás havia muita caça, coelhos eram a dar com um pau, e sempre que aparecia algum diante do carro, bastava abrir-lhe a porta, e ele agarrava-o. Não era necessário gastar cartuchos, ou fazer qualquer estrondo em plena noite.
Assim que o dono chegava de um serviço, o Mandavir gostava de dormir boas sonecas debaixo do carro, porque o calor do motor criava um ambiente muito acolhedor para ele passar algum tempo.
Uma vez, porém, estando ele demasiado ferrado no sono, tardou em sair debaixo do carro quando já estava em movimento e uma roda passou-lhe por cima de uma perna.
Saiu a ganir, ao mancão, para a adega onde se deitou num saco de linhagem. Fiquei comovido ao vê-lo a olhar para mim com as lágrimas saindo-lhe dos olhos e a caírem para o saco.
Nunca tinha visto…
Pensava que lágrimas eram apenas para os humanos.
Não deixava de olhar para mim com aquela cara triste e sofredora.
Como vi que a perna estava partida, coloquei-lhe três talas envoltas em ligaduras, e assim se manteve durante algum tempo.
Começou a andar lentamente até ficar totalmente recuperado.
Mesmo com a perna um pouco torcida (porque o veterinário não era especializado), continuou a sua tarefa de bom caçador, até ao dia em que foi mesmo embora…
Dormia uma sesta no asfalto quente de um dia frio de Inverno, quando um condutor que circulava pela estrada, pensando que o animal estava morto. Desviou-se no momento em que ele se mexeu e…
Ficou pálido... porque o conhecia.
Mas não havia nada a fazer!
quarta-feira, 2 de abril de 2008
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12 comentários:
Mais uma estória bem interessante .
Os cães são inestimáveis...
Abraço.
Os cães serão sempre o melhor amigo dos homens
Só tenho pena que tantos homens os abandonem, e não saibam ser merecedores
Dessa pura amizade
beijinho
Jo, Amiguito.
Uma história muito bonita.Li-a degustando cada palavra, cada situação com os sentires à flor da pele. Mandavir, fiel amigo do homem, bom caçador e dorminhoco. Que pena, a morte acontecer assim!
Bonito texto!
Jinhossss
Excelente, muito bem escrito, uma boa historia.
Esta bela e triste história lembrou-me do dia em que eu saí de casa em pânico á procura do meu pequeno cãozinho Fuzzy. Encontrei-o logo em frente da casa á beira da rua, rígido e frio. O carro que o atingiu tinha já passado sem nunca voltar. O que foi pior foi eu dar conta que eu era quem tinha deixado inadvertidamente, a porta entreaberta.
Enquanto eu viver, eu vou precisar dum cãozinho na minha casa. O Rusty (Ferrugento) está agora de serviço…e eu agora fecho as todas as portas obsessivamente.
Pois é São
Será sempre o nosso fiel amigo,
devemos dar-lhe toda a atenção.
.....
Multiolhares,
Repara quando se viaja de automóvel, principalmente ao atravessar as florestas, e nos deparamos com estes amigos abandonados a olhar para nós a ver se é o “carro de luxo do seu dono".
O meu pensar expontâneo é: "o dono é que deveria estar na pele dele"!
......
Sophiamar
O Mandavir era um paz d'alma
Se conseguir, porei aqui uma foto em como ele gostava de ser motoqueiro
Pedirei ajuda ao filhote.
.........
Tiago,
Já pensei em fazer o livro
Mas...Fica lá mais prá frente. Digo-te que se o fizer, vai ser com a prata da casa. Não vou prescindir de ninguém.Tenho aqui um livro de 672 páginas do ano de 1956, que tem o título"Trabalha para ti"
Também ensina a encadernar
.......
Villager
O mesmo aconteceu com o meu Decko um rafeiro espectacular, ensinei-o a jogar à bola... chegou a interromper por alguns minutos um jogo de futebol aqui na aldeia ... um espectáculo ,Pena foi não ter sido filmado.
Como a minha casa fica "em cima duma estrada camarária" tenho muita pena mas não posso domesticar mais cães.
Foi chocante.
....
CUMPRIMENTOS PARA TODOS
A história está muito envolvente. O fim, entristeceu-me...
Quando partem, levam uma parte de nós...
:-(
Beijos.
quantos de nós não temos uma história em quase tudo similar a esta, talvez por isso (a juntar à riqueza das palavras) ela me tenha emocionado tanto
bom fim de semana
Filoxera;
Carla;
I'm sory mas tive que pôr aqui q coisa.
Sei que vós mulheres são mais susceptíveis a estes acontecimentos mas...
Já passou!
Ok
Bom fim de semana
Passei para te deixar beijinhos e desejar um bom fim de semana.
Abração, Jo!
Atão e quem era o PagaJá?
Atão
O PagaJá era o colega dele , o perdigueiro.
Aquele que levantou uma vez as 6 perdizes, que o caçador abateu com dois cartuchos!
Tudo bom
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