sexta-feira, 18 de julho de 2008

Uma boa acção… uma desilusão

Este caso aconteceu quando começavam a surgir os míscaros nos terrenos arenosos das matas junto à beira-mar.
De regresso a casa depois de umas centenas de quilómetros percorridos, meti-me pela Mata do Urso (matas nacionais) mais conhecido Pinhal de Leiria, porque o trajecto era mais curto. A certa altura alguém me manda parar. Um homem na casa dos seus setenta e tal anos, em estado de choque, a chorar porque tinha perdido a sua mulher.
Pensaram os dois sair de manhã cedo para apanhar míscaros e, ao chegarem à mata, cada um foi para seu lado em busca deles. Ainda não era bem tempo porque não havia mais ninguém por ali na sua apanha.
Muito aflito pediu-me que ajudasse a procurar a sua mulher, que tinha desaparecido há horas. Fiquei e procurei, mas sem êxito.
Como naquele local conseguia contactar com a Central através do CB, porque havia poucas interferências (QRM) e estava a uma distância de mais ou menos cinquenta quilómetros de casa, pude falar com a esposa que participou, por telefone, à GNR daquela área, o desaparecimento da mulherzinha.
Passado, talvez, uma hora chegaram ao local.
Puseram-se a procurar pelo meio daquela mata com o jipe, ligaram as sirenes para a mulher ouvir, chamavam através do megafone, mas nada. Regressavam, tentavam comunicar com o posto, com o rádio transmissor, para pedir reforços e para dar o ponto da situação, mas não tinham sinal de resposta. As ondas curtas não funcionavam naquele denso local. Tive que utilizar mais umas vezes o rádio CB, passando a Central as mensagens, através do telefone, para o posto e vice-versa.
Andámos naquilo desde a hora do almoço até quase ao pôr-do-sol.
Chegou um automobilista trazendo a notícia que tinha aparecido uma mulher desconhecida numa aldeia próxima. Os GNR’s pediram-me que fosse saber, e desloquei-me a toda a pressa à povoação. Verifiquei que tinha sido um falso alarme, um engano. Regressei desiludido, e o homem assim mais chorava pela esposa.
O fim do dia aproximava-se.
Quando estávamos para regressar, dadas as buscas por terminadas, surge um jovem casal com a senhora de automóvel, porque alguns minutos antes esta tinha conseguido encontrar uma das várias estradas de asfalto. Molhada, despenteada, assustada, aterrorizada, desfalecida, agarrou-se ao marido a chorar.
Próximo do Natal desse ano, o casal de idosos chegou a minha casa e presenteia-me com um cabrito vivo. As crianças fizeram uma festa ao verem o animal, brincavam com ele, mas este, porque era ainda um animal de leite, barregava pela mãe.
Como vai ser isto agora? O barulho era demasiado incomodativo e não tinha como calá-lo. Mandar matá-lo, não vou! Comê-lo, muito menos. Como o tirarei de casa, sendo este um amigo das crianças?
Peguei nele, dizendo que o iria devolver à mãe, porque estava cheio de fome e que queria mamar. Entreguei-o a um pastor vizinho que tinha um rebanho, pois saberia melhor criá-lo do que eu.

Uns anos depois circulava eu numa vila daquela zona dos míscaros e cometi uma pequena transgressão. Os GNR’s multaram-me.
Pedi-lhes que me desculpassem, que ignorassem a falta, que fechassem os olhos ao sucedido, que não escrevessem, contei-lhes muito resumidamente o acontecimento na Mata do Urso, o serviço que lhes disponibilizei poucos anos antes, mas a resposta foi esta:
- Você não fez mais que a sua obrigação!

Mais tarde, vim a pagar uma multa de vinte e cinco euros.

12 comentários:

Julio Rodrigues disse...

Interessante conto e bem contado. Quem me dera agora saborear um bom arroz de miscaros! amarelos, pardos e sanchas tambem...

Carla disse...

nem sabes como adoro míscaros...todos
e adorei a tua hbistória
Bom fim de semana
beijos

Daniel disse...

Jo Ra Tone

Uma história, humanística, de vida. Tudo acabou bem!...
Havia trangressão, como não estava um "granjola", a história não sortiu efeito.
Fez-me lembrar uma, de que tive conecimento, em que o guarda nem ao pai perdoou, para mostrar ser incorruptível.
Conheci o pai.
Daniel

Luna disse...

Pois é uma mão nem sempre lava a outra

beijinhos

Isamar disse...

Muito bonita a tua acção. Auxiliar um pobre homem, desvalido, sozinho num pinhal, em busca da sua companheira. Vem ao encontro do que deixas perpassar nas histórias que nos tens contado. Quanto à multa, amigo, se estavas em infracção, tinhas de a pagar. Afinal, estavas a ajudar o homem! Um dever de todos nós!
Bem hajas!

Mil beijinhos

Daniel J Santos disse...

Uma multa como agradecimento...

bom texto, como sempre um prazer ler-te.

Mara disse...

Jo
Eu como não sei destinguir os miscaros bons dos venenosos,...desconfio.
A prosa como sempre adorei.
Bjs

São disse...

Gostei de ler.
Infelizmente, a ingratidão campeia, não é?
Feliz semana.

Manuela Viola disse...

É uma bonita história que felizmente acabou bem.
Bjo.

Rubens da Cunha disse...

bela narrativa, ri aqui imaginando-me no lugar do narrador.

Luna disse...

passei
beijos

Anónimo disse...

E eu não comi cabrito:(