sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

"Não deixam governar vida a ninguém"

Diz que comprou e vendeu muitas coisas velhas.
Chegou a ir para os lados da Sertã, correr aquelas aldeias perdidas no meio das serras.
Saía de madrugada com um ajudante e regressava à noite com o carro carregado de tudo quanto era velho. Comprava por baixo custo, não sabendo os mais velhos, o valor dos objectos de que se desfaziam, confiavam nele como incapaz de enganar quem quer que fosse.
Comprava relógios de coluna, de capela e de bolso, alambiques, pratos dos “aranhões e cavalinho” notas e moedas, e diz que caso não os tivesse vendido, não teria lugar para expor tanta coisa.
Mostrou-me uma grande panela de ferro de três pernas feitas de patacos fundidos que não tinham grande valor, e, arranjando-lhe um fundo falso, serviu de cofre durante muitos anos.
Mas o negócio passou a correr mal, os mais novos começaram a ter a noção do valor dos objectos, e não deixavam que os seus familiares os vendessem.
Posto isto, passou a comprar “vinhos podres”.
-Aí é que eu me enchi! Disse ele. Carregava uma camioneta de vinho duas vezes por semana, algum ainda se podia beber, mas como tinha qualquer defeito, era todo para queimar.
Até que um dia os fiscais foram à fábrica e descobrindo muita aguardente sem ser manifestada, trataram imediatamente de encerrar a fábrica.
-“Já não deixam governar a vida a ninguém” – Interrompeu a Ti Maria, muito zangada –-Se tomassem mas era conta dos ladrões que andam p’raí a roubar!
Daqui em diante o Ti Joaquim passou a dedicar-se à sua loja e mercearia, porque entretanto os anos começaram a pesar…

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Avô é Avô

Manhã fatídica aquela, avô,
que te levou.
Dia cinzento de Inverno que arrefece
Muitas das gentes sem contar
Quando te faltou a lenha para o lar.

Com a junta rumámos ao Calvário
E de pé no estrado com a avó serravas
Parte do sobreiro, o estorvado galho.

Num virar de costas no chão te vi.
Um fio de sangue pela tua boca saía
Andaram as vacas! Um ataque!... não sei
Sei que também de morrer fiquei

Pediu água a avó aos gritos
Suas mãos pela face passava
Eu tão assustado estava
Que não sabia o que fazer

Num charco meu coco mergulhei
E molhada a tua cabeça pensei
Na esperança da vida voltar
Mas… quedo continuaste a estar

“Vai chamar alguém Joãozito”
Disse a minha avó num grito

Com todo o tormento sentido
Não sabendo o que era a morte
De todo perdi o norte
Naquele extenso vazio

Descalço em todas as direcções corria
Como cachorrinho abandonado
Onde vivalma não se ouvia
Naquela imensa mata que me engolia

Passava o tempo sem cessar
E a pequena aldeia por encontrar

Um ponto alto consigo alcançar
Para melhor sentir o cheiro do lar

Ao longe telhados avistei
E sem parar corri. Corria
Estafado, mas… enfim cheguei

Nha mãe o avô morreu!

Contava eu sete anitos. Partiu, com as histórias que eu tanto gostaria de ouvir
Passados dois anos, quis Deus que a avó partisse do mesmo lugar “O Calvário”

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Enguias ( 2)

Certo dia o ti Joaquim e o irmão foram convidados para uma caldeirada de enguias na adega do Zé do burro.
Reunidos, os seca-adegas, numa grande farra entre copos e galhofas, aparece-lhes a dona da casa. Que se sentassem à mesa, que já estava posta.
Trouxe uma grande panela de sopa de grão e começou a servi-los.
Olharam uns para os outros. Ficaram admirados, pois não contavam com aquilo. Houve mesmo alguém que comentou entre dentes ”Então, vim eu aqui para comer grão a esta hora?”

Começaram a comer e, o irmão, comendo só um pouco dizia baixinho para o Joaquim, dando-lhe uma cotovelada “Não sejas parvo, espera pelas enguias… não comas, se não ficas sem barriga para elas!”
O ti Joaquim, estando com fome e porque a sopa também tinha um pouco de carne e chouriço, ele que desde sempre fora mais amigo de carne do que de peixe, até dizia muitas vezes que o “peixe não puxa carroça”, comia e chegou a repetir, “Ai não que não como... não comas tu, não!”
A dona da casa insistia. “Comam mais, façam de conta que estão em vossas casas! Ou não gostam do comer?!”
“A sopa está boa” diziam uns. “Para mim já chega” diziam outros!
Por fim, a ti Ana retirou a panela.
O dono da casa, o Zé do burro, levantou-se e disse:
- Vocês desculpem, mas hoje não há enguias!

Grande silêncio se fez naquele momento!

“Esta manhã quando fui para levantar as redes, fui dar com elas todas rotas, não sei se foram as doninhas ou se foi algum malandro que fez aquele trabalho. Mas bebam mais um copo…”
Beberam mais um copo e saíram, porque a ti Ana tinha dito ao marido “Vamos para a cama que esta gente quer-se ir embora!”

O ti Joaquim foi para casa de barriga cheia, e o irmão… “Ah malandro, desta vez chegaste para mim!”

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Músicas para os meus ouvidos

Respondendo com muito agrado ao desafio da amiga Sophiamar, recordo músicas marcantes da minha adolescência.

Quando me senti crescido, comecei a sair em grupo, acompanhado por alguns já maduros, para outras aldeias das proximidades onde ia conhecendo novas caras.
Esperava ansioso o domingo, ou algum dia santo, para correr à “discoteca” que ficava à beira do campo. Uma grande eira esperava o grupo que vinha d'além, atravessando o extenso arrozal, vindo juntar-se aos d'aquém .
A matinée começava ao toque do gira-discos, e toda a gente dançava.
Deixo o registo da primeira canção,“Ai que bem cheira a linda Rosa”, ao som da qual dancei pela primeira vez, bem agarradinho a uma bela rapariguita.

"As rosas que te mandei ... mataram o meu desejo … em troca do que te dei … recebi de ti um beijo … e tão alegres depois … de nossos beijos trocar … à festa fomos os dois … de braço dado a cantar.
Ai que bem cheira … que bem cheira a linda rosa … ai que bem cheira que suave o seu perfume … ó-i ó-ai sou feliz e sou vaidosa … por uma rosa … trago o coração em lume.
Olho para a rua … o povo caminha … como nós vai folião … minha mão na tua … tua mão na minha … coração com coração …la la la la la la la …la la la la la la la…"

Depois… veio a admiração pelos Beatles, Pink Floyd, Música Popular Portuguesa, Fado, Música Clássica...

E agora o momento de passar o desafio a:
Tiago R. Cardoso
Quintarantino
Villager
Rosa Maria
Aran
LuzdeLua

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Enguias

As grandes chuvadas de inverno invadiam os campos do arroz, as valas enchiam-se de água barrenta, e os pequenos rios convidavam os mais experientes à pesca das enguias.
Peixe muito cobiçado pelo seu ensopado, ou fritas como petisco, ou numa boa caldeirada.
De tarde colocavam as narças submersas nas valas ou nos rios, de modo a que ninguém visse o local exacto, porque havia sempre alguém à espreita para roubá-las durante a noite, e de manhã iam levantá-las com o saco cheio do delicioso peixe. Outros utilizando a sertela, uma técnica mais rudimentar, sempre conseguiam pescar algumas.
Quando alguém tinha a sorte de apanhar enguias em excesso, convidava logo os amigos mais próximos e, juntos, cada qual contribuindo com o seu jeito de cozinheiro, faziam à noite uma bela caldeirada.
O local escolhido para o banquete era sempre a adega, um local espaçoso, onde podiam ter todos os tipos de conversa, longe das crianças e das mulheres.
O grande tacho de cobre era colocado ao centro da mesa, com as batatas e cebolas às rodelas, enguias cortadas aos bocados a nadar naquele delicioso caldo amarelo, onde muitos gostavam de molhar o bocado de pão para provar, antes da refeição começar, para fazerem peito a um copo de tinto, tirado ali ao lado do tonel pelo espicho.
O Ti Joaquim nunca fora moço de ir às enguias, mas nem por isso deixou de comer algumas caldeiradas.
Quando sonhava que alguém nas redondezas iria dar uma caldeirada aos amigos, combinava com o irmão.
- Olha, hoje temos caldeirada!
À hora certa, o Ti Joaquim batia ao portão da adega e, perguntava ao dono da casa pelo seu irmão. Este respondia-lhe que o não tinha visto, que ali não se encontrava. Mas já que ali estava, convidava-o a entrar para comer umas enguias. Ao que ele se fazia um tanto esquisito, mas lá aceitava. Sentado à mesa, daí a alguns minutos aparecia o irmão a perguntar por ele. O dono da casa para não criar ali uma desfeita convidava-o a entrar e fazer parte do grupo…

“Onde se senta um português, sentam-se dois ou três”.

(continua)

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Num postal para um dia especial

VIVER É SEMEAR ESPERANÇA

Semeia esperança nos teus caminhos,
Pela palavra, pelo optimismo, pela confiança.
Há tantas almas arrasadas, destruídas,
Nas trevas angustiadas das suas vidas.

Cultiva apaixonadamente a esperança!
Por onde passes, deixa rasto
Do fogo, vivo de sabor a eterno.
Há tanto ânimo moribundo, tanta dor,
Tanto desespero e tanto inferno…

Dá força ao fraco, dá alento ao tímido,
Dá coragem aos que tombam por aí além,
Vagueando, exaustos e sós,
Sem rumos, sem certezas, sem ninguém.

Dá esperança ao mundo desolado,
Como farol em noite escura,
Como bóia salvadora da tormenta,
Como âncora firme em mar de escarcéus.

Agarra carinhosamente a esperança
Como a mão escondida de Deus…

(Mário Salgueirinho)

Recebido de Pe. Fernando Gonçalves scj

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A minha sementeira da batata

Como os adultos também gostam de brincar um pouco, pensei em colocar desta vez um poste diferente.

Como estamos na época das sementeiras das batatas, e porque gosto de fazer alguma coisa também na agricultura, semeei para consumo de casa, no meu quintal, durante uma hora por dia, ao longo de alguns dias, doze quilos de batata de semente.
Foram trinta e seis regos ao todo, com seis metros de comprimento cada. A semente ficou à distância de trinta e cinco centímetros separadas umas das outras.

Deixo aqui um repto:
Que me digam quantos quilos de batatas esta sementeira virá a produzir.
O comentador que mais se aproximar receberá um prémio.
Gostaria também de saber que tipo de prémio gostariam que vos fosse oferecido.

A resposta saber-se-á daqui a uns tempos.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Parábola dos sete vimes

“Era uma vez um pai que tinha sete filhos. Quando estava para morrer, chamou-os todos sete, e disse-lhes assim:
-Filhos, já sei que não posso durar muito; mas antes de morrer, quero que cada um de vós me vá buscar um vime seco e mo traga aqui.
- Eu também? – Perguntou o mais pequeno, que tinha só quatro anos. O mais velho tinha vinte e cinco e era um rapaz muito reforçado e o mais valente da freguesia.
- Tu também - respondeu o pai ao mais pequeno.
Saíram os sete; e daí a pouco tornaram a voltar, trazendo cada um seu vime seco.

O pai pegou no vime que trouxe o filho mais velho e entregou-o ao mais novinho, dizendo-lhe: - Parte esse vime.
O pequeno partiu o vime, e não lhe custou nada a partir.
Depois, o pai entregou outro ao mesmo filho mais novo e disse-lhe: - Agora parte também esse..
O pequeno partiu-o; e partiu, um a um, todos os outros, que o pai lhe foi entregando, e não lhe custou nada parti-los todos. Partindo o último, o pai disse outra vez aos filhos:
-Agora ide procurar outro vime e trazei-mo.

Os filhos tornaram a sair e daí a pouco estavam outra vez ao pé do pai, cada um com o seu vime.
- Agora dai-mos cá - disse o pai.
E dos vimes todos fez um feixe, atando-os com um vincelho.
E, voltando-se para o filho mais velho, disse-lhe assim: - Toma este feixe! Parte-o!
O filho empregou quanta força tinha, mas não foi capaz de partir o feixe.
- Não podes? - perguntou ele ao filho.
-Não, meu pai, não posso.
-E algum de vós é capaz de o partir? Experimentai.

Não foi nenhum capaz de o partir, nem dois juntos, nem três, nem todos juntos.
O pai disse-lhes então:
-Meus filhos, o mais pequenino de vós partiu, sem lhe custar nada, todos os vimes, enquanto os partiu um por um; e o mais velho de vós não pode parti-los todos juntos; nem vós, todos juntos, fostes capazes de partir o feixe. Pois bem, lembrai-vos disto e do que vos vou dizer: enquanto vós todos estiverdes unidos, como irmãos que sois, ninguém zombará de vós, nem vos fará mal, ou vencerá. Mas logo que vos separeis, ou reine entre vós a desunião, facilmente sereis vencidos.
Acabou de dizer isto e morreu – e os filhos foram muito felizes, porque viveram sempre em boa irmandade ajudando-se sempre uns aos outros; e como não houve forças que os desunissem, também nunca houve forças que os vencessem”.

Trindade Coelho. In: Os meus amores

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Fui desafiado

Pensando bem, aqui estou eu a responder ao desafio que a Sophiamar me colocou.
Não é que esteja bem inserido nestas coisas, mas em todo o caso cá vai.

No desafio é pedido que seja descrito 6 coisas peculiares (próprias, privadas, caracteristicas) de cada um dos nomeados.

Portanto as seis coisas a meu respeito aqui vão:

1 - O gosto de educar os filhos segundo o método que me foi transmitido pelos meus pais (nada de ódios, ser caritativo, voluntário ao serviço da sociedade, educados, respeitadores e trabalhadores, ou seja, boas pessoas).

2 - O gosto de cozinhar (não só os petiscos) mas toda a cozinha tradicional portuguesa, de preferência sem gorduras.

3 - O gosto de saber que a vida das pessoas vai bem. Porque aí eu também me dispo do homem sofredor, nem que seja por escassos momentos.

4 - O gosto pela mulher, obra admirável de Deus, pela qual tenho o maior respeito e dou todo o meu carinho.

5 - O gosto do meu temor a Deus e reflectir sempre na Sua Vida como Homem.

6 - Gosto da Natureza, estudar, sentir-me sempre jovem, trabalhar um pouco no meu quintal. Dormir, sonhar e acordar bem disposto.


Passo o desafio a:
Lady Aran
Lua de Lobos (Maria S. Pedro)
Luz de Lua
Lágrimas de Lua (Luar Perdido)
O Quarto da Lua (Maria Luar)
Poesia das Piramides (Luna)
Tertúlia Lilás (Rosa Maria)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A capela de Seiça


(Jo Ra, Capela de Seiça, óleo sobre tela, 1985)

Localizada em Seiça, concelho da Figueira da Foz, é uma construção de grande valor patrimonial.

Foi construída no ano oitocentos e cinquenta, e reconstruída no reinado de D. Afonso Henriques ou de D. Sancho I, e após este tempo, no ano de 1602, pelos religiosos do Mosteiro ali existentes.

Uma lenda envolve a construção desta capela cujas cenas principais estão relacionadas com o cerco do castelo de Montemor-o-Velho pelos mouros, as degolações de mulheres e crianças, por parte dos infiéis, o combate e a notícia da ressurreição dos degolados, a queda do criado de D. Afonso Henriques e a sua cura milagrosa e por fim a ordem real para fundar também o Mosteiro de Santa Maria de Seiça.

É uma capela talvez única no nosso país devido à sua forma octogonal, cercada por colunas dóricas de pedra, (arquitectura usada na antiga Grécia). Na porta principal está inscrita a data de reconstrução e no seu interior, uma lápide que regista os passos do célebre João Abade, contra os mouros.

Aqui podem ser apreciadas algumas telas de tema religioso, de cariz popular, de salientar uma Virgem com o Menino feita de calcário, datada do século XIV, e os azulejos pintados que revestem a parte inferior das paredes ainda muito bem conservados.

As mulheres pré-mamãs que ousam pedir à Virgem que lhes valha na hora do parto para que os filhos que carregam no ventre nasçam sãos e escorreitos, no dia da feira e festa anual em honra de Nossa Senhora do Ó, sua protectora, lá vão pagar as suas promessas. Uma grande balança é dependurada numa parte do telheiro que envolve a capela, e num dos lados, no grande prato, é colocado o bebé, enquanto no outro, na extremidade dum gancho, é colocado o saco de cereais equivalente ao peso do mesmo.

É um lugar paradisíaco onde se pode viver um dia diferente, respirar o ar puro, comer uma boa merenda ou fazer umas caminhadas por um circuito para esse fim destinado, contemplando ao mesmo tempo a fauna característica dessa região do arroz.

Uma visita a não perder, para quem for para os lados da Figueira da Foz.