domingo, 15 de fevereiro de 2009

Sicó IV




- "Vão para a cama porque amanha é para levantar muito cedo"!
Ordenou a minha mãe, porque no dia seguinte íamos pela primeira vez à cidade.
Eu e a mana fomos logo deitar, mas o sono teimava em não chegar. A minha cabeça deu mais voltas que um burro a tirar água à nora. Durante aquela noite, imaginei-a de várias formas, contudo a minha mãe já nos tinha falado dela, do tempo em que o meu avô vendia sardinha, dizia que, quando os pescadores não iam ao mar por este se encontrar revolto, ou quando a rede não trazia peixe, tinha que ir buscá-lo às traineiras.
Ansioso por saber o que era uma cidade, saímos bem cedo na carroça do meu tio até à estação, que era apenas um pequeno edifício no meio dos arrozais. Entrámos na automotora e ainda sonolento, sentei-me muito acomodado.
Mas… a automotora não arranca? Não arranca porquê? Porquê tanto tempo à espera?
Subitamente avisto um comboio que vinha de frente. Mas só há uma linha! Como vai passar? Vai chocar?
Mãe olhe!
- Que foi Joãozito?
Fiquei sem palavras e aterrorizado.
A automotora entretanto desviou noutra direcção. Não tinha visto que havia ali uma bifurcação de linhas.
Partimos de viagem e a automotora parecia mais uma carroça a circular sobre as linhas com o seu ronca tranca, tal qual o ruído das patas das cavalgaduras, mas, mesmo assim, a minha atenção era desviada para aquelas lindas paisagens nunca vistas.
Chegámos à cidade e caminhando, eu ia vendo coisas muito bonitas: Em primeiro lugar as traineiras que estavam ali muito perto; Os meninos da minha idade mais bem vestidos e acompanhados pelos pais, notei o cheiro dos perfumes e a beleza das senhoras muito pintadas. Logo fiz a comparação com a vida na minha aldeia onde o cheiro era diferente: a bosta, os estrumes dos currais das ovelhas e muito mais.
Os bonecos de vários tamanhos dentro das casas, que se podiam ver pelas grandes vidraças assustavam-me. Perguntei à mãe o que era e o que estavam ali a fazer.
-São manequins! As casas vendem roupas novas para toda a gente!
Mirei-me de alto a baixo e pensei: Estou bem vestido com a roupa nova que a mãe me fez, não preciso. "Apenas não gostava muito das calças porque faziam um refego na zona da pilinha".
Olhava tudo em redor, e caminhando mais um pouco, fiquei boquiaberto quando vi numa pequena casota onde não deviam caber mais que três crianças, uns bonecos com uma linguagem estranha, e que se mexiam muito irrequietos. Ri-me às gargalhadas quando eles começaram à bulha; Ai …Ui -Toma para aprenderes a não roubar os melões! Toma; toma. Traz …paz…
Perguntei mais uma vez à mãe: -São os robertos mas deixa isso porque temos que ir andando!
– Não! - Vá você com a mana que eu fico aqui!
Puxou-me pelo braço e logo me pus a choramingar.
- Cala-te, não tens vergonha! - Disse a mana.
- Querem tirar um retrato em cima do cavalo? Perguntou um homem.
Parei de chorar, e disse logo que sim.
O cavalo era velho, feito de papelão e muito mal estimado. Tirámos o retrato. O meu viria a ser riscado um dia com as unhas da mana, depois de um desentendimento qualquer.
Dentro da praça, a mãe comprou algumas coisas, entre elas uma boneca doce para cada um. Seguidamente fomos aos armazéns comprar os tecidos, retalhos, botões e linhas para a mãe fazer a roupa em casa, e depois para a estação para apanharmos o comboio de regresso a casa.

11 comentários:

Luna disse...

fizeste-me lembrar um pouco da infância, quando apareciam
as marionetes, achava tão engraçado ficava com os olhos colados
escutando as histórias que contavam
beijos

Mare Liberum disse...

Um abraço num Domingo em que o sol raiou até ao fim do dia.

Bem-hajas!

Mil beijinhossss


Voltarei logo que possa para ler e comentar.

São disse...

Foi como voltar um pouco atrás no tempo...
Feliz semana.

Fá menor disse...

Deixei-te lá um mimo.

Parabéns!

Beijooooooosss

Elvira Carvalho disse...

Adorei esta história de outros tempos, tão bem contada, e tão semelhante a outras por mim vividas.
Um abraço

Daniel Costa disse...

Jo Ta Tone

Recordar sem a nostalgia do passado é balsâmico. Têm-lo feito muito bem. Vaguei tanto, que nem me lembro de ter passado à serra de Sicó, que penso saber situar, porque retenho na memória, o sistema a que pertence.
A curiosidade leva-me a que procure a situação exacta.

Daniel

Carla disse...

que linda esta viagem no tempo!
Adoro os tons sepia das tuas histórias
beijos

Carol disse...

Como é bom ler histórias de outros tempos...

Mare Liberum disse...

Voltei à infância contigo, João. Também gostava dos robertos. Muito! E , claro, também tirei a fotografia no cavalinho.

Beijinhos mil

Maria Carmo disse...

Caro Amigo Jo Ra Tone, que textos interessantes e que acordam em nós aspectos da infância. Obrigada por ter vindo visitar o Voo Longo.

Maria Carmo

Anónimo disse...

E eu a pensar que o cavalo era do avô!!